terça-feira, 17 de agosto de 2010

Van Gogh e o Vestido Vermelho; Parte2

Foi no final da pregação costumeira do pai, logo após o almoço dominical, que o jovem Vincent viu-se caído na mais terrível maldição.

Tudo começara dias atrás, subitamente numa tarde parada, no jardim da velha casa, o lugar mais adorado pelo infante, terra mágica e sem perguntas e leis, pura sabedoria do silêncio, lá, em meio à vida abundante, Vincent descobrira que tudo aquilo de belo, aquilo que Theo dissera ser as cores das coisas, pulsava brilhante e harmônico, dando, misteriosamente, lógica a todo o caos que a pequena e jovem mente de criança não compreendia.

Sim senhores, quando Vincent soube, sabendo por olhos lépidos e penetrantes, mais toda infindável sensibilidade de anjo inocente, que as maravilhas do belo, decorrentes de rabiscos de forma e aquarelas de luz em entardeceres demorados, eram a composição de que o pai sempre contava, do bem, da força criadora e divina, de Deus-Pai... Vincent soube, para sempre, que a contemplação seria seu fim. Alegria senhores, mágica e poética alegria, fora o que a criança sentiu... mais o profundo amor e respeito pelo sagrado.

Como, para a inocência, o que pulsa, o que é vivo, o que é belo, poderia ser compreendido senão na forte e pungente palavra DEUS? A Alma, funda e doce companheira interna de segredos e suspiros, ainda ia longe do plausível e duro irreprimível do mundo, e da desiludida verdade da razão.

Amarelo, sim, o d’ouro das flores dos cabelos e do sol, desde aquela tarde, a cor fora eleita sua preferida, seu delicado e secreto amor. O nome inefável do belo, refúgio e santuário. Mas a maldição rondava o pequeno Vincent...

De volta ao almoço dominical, uma voz rompeu o silêncio que o deleitante discurso do pai produzira. A voz de uma mulher, de uma vizinha... só que a maldição... “Cent, olhem para ti! Por Deus! Que rapazinho mais belo!”

O ar faltou nos pequenos pulmões, as certezas falharam, o sol entrou, desconcertado, nalguma nuvem defensora... uma mulher, a vizinha, sorrindo o medo e o pavor daquela criança, mostrava, pela primeira vez, a certa alma que aprendia a ver, que o mundo doía, sim senhores, sempre, na miséria e no desejo humano. Vincent, que daí, buscaria mais e mais o rijo porto da religião, lembraria, por toda a vida, daquilo que era a confusão; nem belo nem feio, nem cor nem Deus, nem frio nem compreensível.

A vizinha vinha em um arfante vestido Vermelho.